domingo, 3 de março de 2013

Cuscuz inesquecível


Bendito cuscuz, maldito cuscuz.

 

No nordeste, é um tipo de comida preparada principalmente à base de farinha de milho e faz parte da dieta de grande parte dos brasileiros. Há muitas variações de cuscuz como os preparados com cereais e trigo. Diz-se de origem africana, ou marroquina, talvez árabe ou síria ou outras tantas possíveis origens. O que importa é que a receita chegou ao Recife e, hoje é consumido tradicionalmente no café da manhã e no jantar. Existem inúmeras receitas que incluem sardinha, carnes, queijos, ovos, verduras, leite de coco, doce, salgado, mineiro, paulista, caipira, de coco com mandioca, molhado, seco, é um prato predestinado ao sucesso devido a sua compatibilidade culinária, vai bem com tudo.

  Antigamente pelas ruas do Recife viam-se frequentemente o famoso homem do cuscuz com seu tabuleiro de flandres e madeira  na cabeça, um apoio no ombro, um apito e muito fôlego para andar com o peso sobre uma rodilha na cabeça a soprar aquele apito de sonido único que à distância anunciava a sua chegada, aí então, toda a rua se preparava para saborear aquele cuscuz preparado em pequeninas formas redondas, e cozidos no vapor, regados ao leite de coco servidos em folhas de bananeira, aquele sim era uma terna delícia. Uma peculiaridade inesquecível era aquela forma convexa. As tardes não podiam terminar antes que o homem do cuscuz passasse na rua. Bons tempos aqueles.

Tudo isso permanece na nossa memória.

  Transcendeu, interferindo até hoje na engenharia, na nossa maneira criativa de remendar estradas, atingindo o inconsciente de engenheiros, mestres, encarregados, operários e ordenadores de despesas públicas.  A prática é de se fecharem os buracos deixando um excesso, uma protuberância, na esperança de que com o tempo e uso “aquele cuscuz” vai reduzindo de tamanho até que se transformará numa emenda perfeitamente plana, com uma suavidade de fazer, talvez, inveja a qualquer estrada japonesa ou suíça. É o estilo pernambucano de consertar buracos. Um primor de tecnologia, digno de quem ignora os mais de 88 impostos taxas e contribuições de melhoria que pagamos sem contar com  laudêmio, pedágio, aforamento e tarifas públicas cartoriais, flanelinhas , vigias noturnos.

  Infelizmente aquele vendedor desapareceu e nos deixou além de saudades, uma vibrante herança, impossível de esquecer.

  Hoje em dia, o substantivo comum virou nome próprio, nome de música, nome de bairro, nome de político, de banda brega, adjetivou-se. Para não fugir à regra ganhou sua mais perfeita representação como forma de defeito construtivo em rodovias. Em 100% das vias que cortam nossa cidade tem cuscuz, aliás, em matéria de estradas mal construídas nós somos mestres. É o que chamo de “buracos invertidos” ou mais propriamente “cuscuz do asfalto”. Esse tipo de cuscuz é o mais presente no nosso dia-a-dia, resultado das operações tapa-buracos realizados por "genios"  contratados com dinheiro público para ‘inverter’ os buracos das vias, ou seja, o que era côncavo após a aplicação do asfalto sempre fica convexo, uma nova modalidade de “cuscuz”, talvez para lembrar aos usuários que naquela rua passava o  homem do cuscuz. Aqueles que fazem dos nossos carros verdadeiros chocalhos tornando qualquer deslocamento um teste de paciência. Há cuscuz na cidade que podem ser elevados à categoria de cocada, finalmente uma lembrança do passado. O tabuleiro de hoje é um caminhão-usina de asfalto, e a nova receita é feita com brita e piche. Nossos carros não são mais carroças, mas nossas estradas seguem carroçáveis.

Saúde a todos.