Bendito
cuscuz, maldito cuscuz.
No
nordeste, é um tipo de comida preparada principalmente à base de farinha de
milho e faz parte da dieta de grande parte dos brasileiros. Há muitas variações
de cuscuz como os preparados com cereais e trigo. Diz-se de origem africana, ou
marroquina, talvez árabe ou síria ou outras tantas possíveis origens. O que
importa é que a receita chegou ao Recife e, hoje é consumido tradicionalmente
no café da manhã e no jantar. Existem inúmeras receitas que incluem sardinha,
carnes, queijos, ovos, verduras, leite de coco, doce, salgado, mineiro,
paulista, caipira, de coco com mandioca, molhado, seco, é um prato predestinado
ao sucesso devido a sua compatibilidade culinária, vai bem com tudo.
Antigamente pelas ruas do Recife viam-se
frequentemente o famoso homem do cuscuz com seu tabuleiro de flandres e madeira
na cabeça, um apoio no ombro, um apito e muito fôlego para andar com o
peso sobre uma rodilha na cabeça a soprar aquele apito de sonido único que à
distância anunciava a sua chegada, aí então, toda a rua se preparava para
saborear aquele cuscuz preparado em pequeninas formas redondas, e cozidos no
vapor, regados ao leite de coco servidos em folhas de bananeira, aquele sim era
uma terna delícia. Uma peculiaridade inesquecível era aquela forma convexa. As
tardes não podiam terminar antes que o homem do cuscuz passasse na rua. Bons
tempos aqueles.
Tudo
isso permanece na nossa memória.
Transcendeu, interferindo até hoje na engenharia,
na nossa maneira criativa de remendar estradas, atingindo o inconsciente de
engenheiros, mestres, encarregados, operários e ordenadores de despesas
públicas. A prática é de se fecharem os
buracos deixando um excesso, uma protuberância, na esperança de que com o tempo
e uso “aquele cuscuz” vai reduzindo de tamanho até que se transformará numa
emenda perfeitamente plana, com uma suavidade de fazer, talvez, inveja a
qualquer estrada japonesa ou suíça. É o estilo pernambucano de consertar
buracos. Um primor de tecnologia, digno de quem ignora os mais de 88 impostos
taxas e contribuições de melhoria que pagamos sem contar com laudêmio, pedágio, aforamento e tarifas
públicas cartoriais, flanelinhas , vigias noturnos.
Infelizmente
aquele vendedor desapareceu e nos deixou além de saudades, uma vibrante herança,
impossível de esquecer.
Hoje em dia, o substantivo comum virou nome
próprio, nome de música, nome de bairro, nome de político, de banda brega,
adjetivou-se. Para não fugir à regra ganhou sua mais perfeita representação
como forma de defeito construtivo em rodovias. Em 100% das vias que cortam nossa
cidade tem cuscuz, aliás, em matéria de estradas mal construídas nós somos
mestres. É o que chamo de “buracos invertidos” ou mais propriamente “cuscuz do
asfalto”. Esse tipo de cuscuz é o mais presente no nosso dia-a-dia,
resultado das operações tapa-buracos realizados por "genios" contratados com dinheiro público
para ‘inverter’ os buracos das vias, ou seja, o que era côncavo após a
aplicação do asfalto sempre fica convexo, uma nova modalidade de “cuscuz”,
talvez para lembrar aos usuários que naquela rua passava o homem do
cuscuz. Aqueles que fazem dos nossos carros verdadeiros chocalhos tornando
qualquer deslocamento um teste de paciência. Há cuscuz na cidade que podem ser
elevados à categoria de cocada, finalmente uma lembrança do passado. O
tabuleiro de hoje é um caminhão-usina de asfalto, e a nova receita é feita com brita
e piche. Nossos carros não são mais carroças, mas nossas estradas seguem
carroçáveis.
Saúde
a todos.
Me lembro até hoje daquele cuscuz .Amo aquela textura do milho e do sabor inigualável.Hoje ja tenho 63 anos , mas ainda sinto muita saudade dessa delícia .
ResponderExcluirAinda tem. Minha sobrinha corre e fica chamando lá de cima da varanda p não perder a delícia. Molhadinho com leite de côco.
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